29 de janeiro de 2007

Pode-se fazer duas concordâncias

Isso mesmo. Ou "podem-se fazer duas concordâncias" ou "pode-se fazer duas concordâncias". Essa estrutura tem dupla possibilidade de concordância porque pode ser analisada de duas maneiras diferentes. A primeira possibilidade é considerar poder fazer como uma locução verbal e, portanto, tratá-la como uma estrutura de voz passiva. Assim:
- podem fazer = locução verbal;
- duas concordâncias = sujeito;
- se = pronome apassivador.
A segunda análise possível trata a frase como um período composto (ou oração complexa, na denominação extremamente cabível de Evanildo Bechara, da qual podemos falar noutra ocasião), considerando fazer duas concordâncias como uma oração subordinada. Assim:
- pode = oração principal, na voz passiva;
- fazer duas concordâncias = oração subordinada substantiva subjetiva.
Na primeira análise, o verbo poder fica no plural para concordar com seu sujeito, duas concordâncias. Na segunda análise, o verbo poder fica no singular porque seu sujeito é uma oração (fazer duas concordâncias) e, nesse caso, o verbo fica sempre no singular.

No caso da frase que usei aqui, "Ouve-se pessoas dizerem", a análise que faço é a seguinte:
- ouve-se = oração principal, sendo o se
pronome apassivador;
- pessoas dizerem = oração subordinada substantiva
subjetiva, ou sujeito oracional.
Portanto, se o verbo tem sujeito oracional, fica no singular. Se eu dissesse "ouvem-se pessoas dizerem", eu cometeria uma estrutura que ainda não vi nenhuma gramática esclarecer bem, a qual mistura a voz passiva com o sujeito do infinitivo. Está certa? Provavelmente sim. Analisamos o caso noutra oportunidade.
O fato é que muita gente, inclusive professores e bancas examinadoras, acreditam que estruturas como Pôde-se ouvir os tiros ou Deve-se considerar esses problemas estão erradas. E não estão. Dica de macaco velho: em provas e concursos, use Puderam-se ouvir os tiros e Devem-se considerar esses problemas, só para garantir.
Aliás, voz passiva sintética é uma estrutura muito discutida e bastante intrigante da língua, e gera dúvidas as mais diversas. Por exemplo, hoje li num livro sobre relações internacionais a seguinte frase: "Quanto à Argentina, isolou-se-a da discussão por meio da construção de novos eixos etc". Isolou-se-a? Está certo isso?
Resposta e análise no próximo capítulo.

4 comentários:

Anônimo disse...

Adorei o blogue, não o conhecia ainda, mas a partir de agora vou ser um fã assíduo, foi uma boa explicação essa dos dois modos de análise, inclusive a dica para concursos, minha área em especial rs ;), gostaria de pedir que escrevesse sobre complemento nominal e adjunto adnominal.

Luis disse...

Caro anônimo.
Obrigado pela visita!

Complemento e adjunto? Olha, está aí um assunto que não tem a menor importância em concursos públicos, de maneira geral. Pode olhar as provas. Quase não aparece...

Abraço!

Rossana disse...

Verdade, os adjuntos são meros coadjuvantes, pois quando o substantivo nasceu, Deus disse: você será "o cara" e tudo girará em torno de ti, o resto será adjunto adnominal. rsrs
Ps.: adorei o blog

Semiógrafo disse...

Muito bom! Gostei do trecho onde você diz "não vi nenhuma gramática esclarecer bem". De fato, quando temos qualquer dúvida que foge ao lugar comum do "curso de português para estrangeiros", ficamos a ver navios. Precisamos de livros que tratem o leitor como capazes de consumir conhecimento sobre problemas de linguística e não apenas como consumidores de regras. Se ficarmos a depender apenas das regras, sempre encontraremos um caso que não se encaixa em nenhuma delas, sem sabermos sequer por onde começar a atacar o problema.