A ideia (gostou, assim, sem acento? Vai acostumando, então) de unificar a grafia do português nos diversos países lusófonos é boa. Fortalece o mercado editorial, o que me faz ingenuamente esperar que o preço dos livros possa assim diminuir um pouco. Unifica o ensino de português em outros países, consolidando a importância do Brasil como o maior país lusófono. Etc. Mas um problema razoavelmente sério, que consiste na enorme diferença entre a norma-padrão portuguesa e o uso (mesmo culto) brasileiro não é resolvido pelo Acordo Ortográfico, nem poderia ser. Não é a sua intenção.
O melhor (ou pior) exemplo dessa diferença e dos problemas que ela implica para quem precisa usar adequadamente a variedade padrão da língua, no Brasil, é a colocação pronominal. Meus alunos, para ficar só num caso, torcem o nariz e duvidam de mim quando eu digo que a língua falada no Brasil prefere a próclise (isto é, o pronome átono antes do verbo, como em "me deitei"), sempre, mesmo no nível formal. Eles estranham porque leram em gramáticas e ouviram dos professores, a vida toda, que o certo é sempre sempre sempre a ênclise (como em "deitei-me"), e acreditam piamente nisso, mesmo nunca tendo usado na vida uma ênclise sequer, exceto na escola e em provas de concurso. Isso é um problema, que é difícil de resolver. Se eu pudesse, nem falava de regra de colocação pronominal em sala. Mas não posso, aí eu falo, e os alunos me olham feio se eu ensino o que a gramática diz e se eu me recuso a ensinar o que a gramática diz. Vida de professor não é fácil...
Mas não era para isso que eu ia escrever hoje. Mas tem a ver. O português do Brasil e o de Portugal são tão diferentes, que nem o Acordo Ortográfico conseguiu resolver o problema do porquê. Já expliquei aqui como funciona o porquê no Brasil. Agora vou explicar como é em Portugal e, vejam só, é bem diferente. E vai continuar diferente. Mesmo com a unificação da ortografia.
Prepare-se: em Portugal, o porque é sempre junto. Mesmo na pergunta. Entendeu? Então tá, pode ir. Não, espera! Tem um que é separado: é quando o que é pronome relativo. É um caso fácil: pronome relativo é um que que vem sempre referido a um substantivo anterior. Assim:
O resto é junto, sempre. Eles consideram o porque um advérbio interrogativo, quando usado em frases interrogativas diretas e indiretas, e uma conjunção, quando expressa causa, finalidade ou coordenação explicativa. Olha os exemplos:
Lá na postagem sobre o porquê brasileiro eu deixei uns exercícios para os visitantes do blogue responderem, mas ninguém se atreveu, ao menos não publicamente. Dou, então, as respostas, primeiro conforme a regra brasileira, depois conforme a regra portuguesa. Mas fica a questão: se no uso dos porquês a regra pode ser diferente, e continuará sendo mesmo com a unificação ortográfica, por que (separado) não estender a lógica para outros casos, como a colocação pronominal ou algumas regras de regência verbal? Eu quero começar frases com pronome oblíquo átono! Próclise livre já!
Vamos às respostas dos exercícios:
I - Só gostaria de saber _________ a secretária não me avisou antes sobre o problema. (por que, no Brasil; porque, em Portugal)
II - Foi ruim revê-la, _________ as lembranças ainda doíam no coração. (porque, em ambos)
III - Os direitos __________ lutam os grevistas são legítimos. (por que, sempre)
IV - Ela foi embora, assim, sem mais, e nem me explicou ________. (por quê e porquê)
V - _______ o governo investe pouco em educação, os índices de analfabetismo ainda são muito altos. (porque, nos dois)
Alguma dúvida? Deixa aí nos comentários.
Até!
O melhor (ou pior) exemplo dessa diferença e dos problemas que ela implica para quem precisa usar adequadamente a variedade padrão da língua, no Brasil, é a colocação pronominal. Meus alunos, para ficar só num caso, torcem o nariz e duvidam de mim quando eu digo que a língua falada no Brasil prefere a próclise (isto é, o pronome átono antes do verbo, como em "me deitei"), sempre, mesmo no nível formal. Eles estranham porque leram em gramáticas e ouviram dos professores, a vida toda, que o certo é sempre sempre sempre a ênclise (como em "deitei-me"), e acreditam piamente nisso, mesmo nunca tendo usado na vida uma ênclise sequer, exceto na escola e em provas de concurso. Isso é um problema, que é difícil de resolver. Se eu pudesse, nem falava de regra de colocação pronominal em sala. Mas não posso, aí eu falo, e os alunos me olham feio se eu ensino o que a gramática diz e se eu me recuso a ensinar o que a gramática diz. Vida de professor não é fácil...
Mas não era para isso que eu ia escrever hoje. Mas tem a ver. O português do Brasil e o de Portugal são tão diferentes, que nem o Acordo Ortográfico conseguiu resolver o problema do porquê. Já expliquei aqui como funciona o porquê no Brasil. Agora vou explicar como é em Portugal e, vejam só, é bem diferente. E vai continuar diferente. Mesmo com a unificação da ortografia.
Prepare-se: em Portugal, o porque é sempre junto. Mesmo na pergunta. Entendeu? Então tá, pode ir. Não, espera! Tem um que é separado: é quando o que é pronome relativo. É um caso fácil: pronome relativo é um que que vem sempre referido a um substantivo anterior. Assim:
"Não entendi o motivo por que você foi embora."Está vendo que o "que" se refere a "motivo"? Não? Substitua, então, na segunda oração. Fica assim: "você foi embora por esse motivo". Tem outros exemplos disso na postagem sobre o porquê no Brasil. Neste caso, o uso nos dois países é idêntico.
O resto é junto, sempre. Eles consideram o porque um advérbio interrogativo, quando usado em frases interrogativas diretas e indiretas, e uma conjunção, quando expressa causa, finalidade ou coordenação explicativa. Olha os exemplos:
1) Porque você não veio?Os casos 1 e 2 são exemplos de advérbio interrogativo. São diferentes do uso no Brasil. Para o uso do porque como conjunção, fica o mesmo que nós usamos. Tem ainda um caso especial em Portugal: se o porque vier no fim da pergunta, ou se a frase não tiver verbo conjugado, escreve-se porquê, com acento. Assim:
2) Nunca me disseram porque você não veio.
3) Você ainda não chegou porquê?Parece mais fácil que no Brasil, certo? Mas olha que coisa: consultados alguns sites de dúvidas de português, percebi que os professores em Portugal parecem ter tanta dificuldade quanto nós, brasileiros, em ensinar o uso dos porquês para seus alunos. Quer dizer, comprova-se o que eu já tenho como convicção há um tempo: simplificar a língua não facilita o aprendizado. O que se exige do professor é que ele domine bem o que está ensinando; e do aluno, que estude o que vê em sala, senão não adianta nada.
4) Porquê esperar tanto?
5) Porquê tanta dor no mundo?
Lá na postagem sobre o porquê brasileiro eu deixei uns exercícios para os visitantes do blogue responderem, mas ninguém se atreveu, ao menos não publicamente. Dou, então, as respostas, primeiro conforme a regra brasileira, depois conforme a regra portuguesa. Mas fica a questão: se no uso dos porquês a regra pode ser diferente, e continuará sendo mesmo com a unificação ortográfica, por que (separado) não estender a lógica para outros casos, como a colocação pronominal ou algumas regras de regência verbal? Eu quero começar frases com pronome oblíquo átono! Próclise livre já!
Vamos às respostas dos exercícios:
I - Só gostaria de saber _________ a secretária não me avisou antes sobre o problema. (por que, no Brasil; porque, em Portugal)
II - Foi ruim revê-la, _________ as lembranças ainda doíam no coração. (porque, em ambos)
III - Os direitos __________ lutam os grevistas são legítimos. (por que, sempre)
IV - Ela foi embora, assim, sem mais, e nem me explicou ________. (por quê e porquê)
V - _______ o governo investe pouco em educação, os índices de analfabetismo ainda são muito altos. (porque, nos dois)
Alguma dúvida? Deixa aí nos comentários.
Até!