11 de novembro de 2008

Por quê?

Em ritmo de reforma ortográfica, andei pesquisando nestes dias sobre a diferença entre o uso dos "porquês", no Brasil e em Portugal, e fiquei surpreso ao saber que o Acordo Ortográfico que passará a viger em 2009 nem trisca no assunto. Curioso, consultei nossa digníssima Academia Brasileira de Letras e a resposta confirmou: vamos continuar usando os "porquês" diferentemente dos portugueses. Apesar de eu não ter entendido por que não houve acordo quanto a esse item, vale então explicar aos nossos pacientes leitores, que esperam meses por uma mísera postagem deste relapso autor, quando afinal se usa "porque" ou "por que", aqui e em Portugal.
Para começar, no Brasil: a palavra "porque" é uma conjunção. Sempre. O que uma conjunção faz da vida? Ela liga duas orações (ou termos simples, mas não é o caso do "porque"). Então o "porque" assim, juntinho, só aparece ligando duas orações, ainda que a primeira esteja subentendida, como acontece frequentemente em respostas diretas a uma pergunta. Essa conjunção pode ter os seguintes papéis: 1) introduz uma causa para a oração anterior, sendo portanto uma conjunção subordinativa (causal); 2) introduz uma prova, uma pista, uma explicação para a afirmação que foi feita anteriormente, e não uma causa, e assim vai se classificar como conjunção coordenativa (explicativa); 3) introduz, raramente no português moderno, uma finalidade para a oração anterior, como uma conjunção subordinativa final (a fim de que, para que etc). Vamos aos exemplos, na mesma ordem:
1) Não fui à aula hoje, porque estava doente.
(Para quem gosta de classificações: o "porque" introduz uma oração subordinada adverbial causal.)
2) Deve estar chovendo fortemente, porque o barulho da água nas telhas é ensurdecedor.
(O conector introduz oração coordenada explicativa: note-se que a segunda oração não é de modo algum a causa da primeira, e sim uma pista, uma prova, uma explicação.)
3) O piloto se esforçou porque obtivesse o título.
(A conjunção introduz oração subordinada adverbial final: note-se que o sentido é o mesmo de "a fim de que", "para que"; neste caso, normalmente o verbo da segunda oração aparece no modo subjuntivo, ao contrário do que acontece, grosso modo, quando o "porque" tem sentido causal.)

Este é o famoso "porque" junto. Já o "por que", separado, é outra coisa, totalmente diferente: trata-se da reunião da preposição "por" com a palavra "que". O "que", neste caso, pode ser: 1) pronome relativo, referindo-se a uma palavra da oração anterior; 2) pronome indefinido ou interrogativo; 3) pronome relativo sem antecedente, funcionando como uma conjunção integrante. Este último caso é o mais difícil de classificar, mas é fácil de entender. Vamos aos exemplos:

1) por + que (pronome relativo):
A ABL explicou-me o motivo por que não haverá mudança no uso da expressão.
Neste caso, o "que" refere-se diretamente à palavra "motivo", e a preposição "por" é responsável pelo sentido causal que a oração tem. Outro exemplo:
Estas são as fotos das cidades por que passamos durante nossas férias.
Aqui, o "que" se refere a "cidades" e a preposição "por" é regida pelo verbo "passar".

2) por + que (pronome indefinido ou interrogativo):
Por que o Acordo não trata dessa questão?
Este é caso clássico de "por que" separado. É a frase interrogativa direta, é a pergunta com ponto de interrogação no final. Perceba-se que não pode se tratar da conjunção "porque", visto que não há ligação com oração anterior. Nesta frase, o "que" é um pronome substantivo, ou seja, ele substitui um substantivo. Essa mesma frase poderia ser formulada com um pronome adjetivo, ou seja, um "que" que acompanha um substantivo, como em: "Por que razão o Acordo não trata disso?"

3) por + que (pronome relativo em função de conjunção integrante):
Não entendi por que o Acordo não trata dessa questão.
Trata-se da frase interrogativa indireta, ou seja, a pergunta feita numa frase aparentemente afirmativa, sem ponto de interrogação. Sintaticamente, perceba-se que a oração introduzida pela expressão "por que" funciona como objeto direto da primeira (Não entendi essa omissão. Não entendi por que houve omissão). Dessa forma, a expressão "por que" funciona como uma conjunção integrante, aquela que introduz normalmente as orações de caráter substantivo, como é o caso. Aqui, vale ressaltar a enorme diferença de sentido que poderia fazer usar o "porque" junto em lugar do "por que" separado. Comparem-se os seguintes exemplos:
a) Ninguém entendeu bem, porque o professor estava impaciente.
b) Ninguém entendeu bem por que o professor estava impaciente.
Na frase "a", o "porque" introduz a causa da oração anterior. Ninguém entendeu a explicação, o assunto, seja lá o que for, em decorrência da impaciência do professor. É conjunção adverbial, juntinha portanto. Na frase "b", o que os alunos não entenderam é justamente por que o professor estava impaciente, ou seja, não entenderam o motivo de o professor estar tão impaciente. A expressão "por que" introduz o objeto direto do verbo entendeu. Ela não introduz a causa da oração anterior. Separada, então.

O "por quê", separado e com acento, é o mesmíssimo "por que" separado dos casos 2 e 3, mas ganha acento quando a frase está invertida e o "que" é seguido de ponto final, de exclamação ou de interrogação. O professor estava impaciente, e ninguém entendeu por quê. Você não vai à festa por quê? Este time só erra gol, alguém me explique por quê!

O "porquê", junto e com acento, é o mais fácil de todos. Trata-se de um substantivo, como outro qualquer, sempre antecedido de artigo. "Não entendi o porquê de o Acordo não falar disso" (o motivo de, a razão de).

Não é difícil. Mas tem que fazer um pouco de análise sintática. Desaconselho os macetes e substituições que algumas gramáticas ensinam. Podem funcionar, mas prefiro sempre entender a estrutura a decorar um macete. Porque o macete você esquece; a estrutura, não.

Vamos exercitar um pouco? Você pode responder nos comentários, e daqui a uma semana eu dou o gabarito. (Ai, que horror, estou parecendo a Dad...) Diga como aparece o "porque" nos espaços abaixo:

I - Só gostaria de saber _________ a secretária não me avisou antes sobre o problema.

II - Foi ruim revê-la, _________ as lembranças ainda doíam no coração. (Ai, que frase brega!)

III - Os direitos __________ lutam os grevistas são legítimos.

IV - Ela foi embora, assim, sem mais, e nem me explicou ________.

V - _______ o governo investe pouco em educação, os índices de analfabetismo ainda são muito altos.

Na próxima postagem (quando será, hein?) eu explico como funciona isso em Portugal.

2 comentários:

Luana Faria disse...

OI LUIS. NÃO ENCONTREI O GABARITO DESSE (ou deste???)EXERCÍCIO. Você pode corrigí-lo por favor?
Obrigada! Luana (aluna do regular no curso 'o diplomata')
I - Só gostaria de saber POR QUE a secretária não me avisou antes sobre o problema.

II - Foi ruim revê-la, PORQUE as lembranças ainda doíam no coração.

III - Os direitos POR QUE lutam os grevistas são legítimos.

IV - Ela foi embora, assim, sem mais, e nem me explicou O PORQUÊ.

V - PORQUE o governo investe pouco em educação, os índices de analfabetismo ainda são muito altos.

Anônimo disse...

Certinho, Luana. O gabarito está na postagem sobre a reforma ortográfica. Na opção IV, poderia ser também "por quê".

Bjs!