Conforme explicado aqui, começo a atualizar também este blogue às novas regras ortográficas estabelecidas pelo Acordo de 1990, que entra em vigor ano que vem.
Já fiz toda a atualização do Palavras à pena, e me surpreendeu constatar que são raríssimas as palavras que mudam. Sério. Ou eu devo estar usando sempre as outras. Nesta postagem aqui, por exemplo, ainda não apareceu nenhuma palavra que precise de alteração. E ainda não arrumei tempo para falar do porquê português.
Quem sabe até o fim do mês?
19 de novembro de 2008
11 de novembro de 2008
Por quê?
Em ritmo de reforma ortográfica, andei pesquisando nestes dias sobre a diferença entre o uso dos "porquês", no Brasil e em Portugal, e fiquei surpreso ao saber que o Acordo Ortográfico que passará a viger em 2009 nem trisca no assunto. Curioso, consultei nossa digníssima Academia Brasileira de Letras e a resposta confirmou: vamos continuar usando os "porquês" diferentemente dos portugueses. Apesar de eu não ter entendido por que não houve acordo quanto a esse item, vale então explicar aos nossos pacientes leitores, que esperam meses por uma mísera postagem deste relapso autor, quando afinal se usa "porque" ou "por que", aqui e em Portugal.
Para começar, no Brasil: a palavra "porque" é uma conjunção. Sempre. O que uma conjunção faz da vida? Ela liga duas orações (ou termos simples, mas não é o caso do "porque"). Então o "porque" assim, juntinho, só aparece ligando duas orações, ainda que a primeira esteja subentendida, como acontece frequentemente em respostas diretas a uma pergunta. Essa conjunção pode ter os seguintes papéis: 1) introduz uma causa para a oração anterior, sendo portanto uma conjunção subordinativa (causal); 2) introduz uma prova, uma pista, uma explicação para a afirmação que foi feita anteriormente, e não uma causa, e assim vai se classificar como conjunção coordenativa (explicativa); 3) introduz, raramente no português moderno, uma finalidade para a oração anterior, como uma conjunção subordinativa final (a fim de que, para que etc). Vamos aos exemplos, na mesma ordem:
Este é o famoso "porque" junto. Já o "por que", separado, é outra coisa, totalmente diferente: trata-se da reunião da preposição "por" com a palavra "que". O "que", neste caso, pode ser: 1) pronome relativo, referindo-se a uma palavra da oração anterior; 2) pronome indefinido ou interrogativo; 3) pronome relativo sem antecedente, funcionando como uma conjunção integrante. Este último caso é o mais difícil de classificar, mas é fácil de entender. Vamos aos exemplos:
1) por + que (pronome relativo):
2) por + que (pronome indefinido ou interrogativo):
3) por + que (pronome relativo em função de conjunção integrante):
O "por quê", separado e com acento, é o mesmíssimo "por que" separado dos casos 2 e 3, mas ganha acento quando a frase está invertida e o "que" é seguido de ponto final, de exclamação ou de interrogação. O professor estava impaciente, e ninguém entendeu por quê. Você não vai à festa por quê? Este time só erra gol, alguém me explique por quê!
O "porquê", junto e com acento, é o mais fácil de todos. Trata-se de um substantivo, como outro qualquer, sempre antecedido de artigo. "Não entendi o porquê de o Acordo não falar disso" (o motivo de, a razão de).
Não é difícil. Mas tem que fazer um pouco de análise sintática. Desaconselho os macetes e substituições que algumas gramáticas ensinam. Podem funcionar, mas prefiro sempre entender a estrutura a decorar um macete. Porque o macete você esquece; a estrutura, não.
Vamos exercitar um pouco? Você pode responder nos comentários, e daqui a uma semana eu dou o gabarito. (Ai, que horror, estou parecendo a Dad...) Diga como aparece o "porque" nos espaços abaixo:
I - Só gostaria de saber _________ a secretária não me avisou antes sobre o problema.
II - Foi ruim revê-la, _________ as lembranças ainda doíam no coração. (Ai, que frase brega!)
III - Os direitos __________ lutam os grevistas são legítimos.
IV - Ela foi embora, assim, sem mais, e nem me explicou ________.
V - _______ o governo investe pouco em educação, os índices de analfabetismo ainda são muito altos.
Na próxima postagem (quando será, hein?) eu explico como funciona isso em Portugal.
Para começar, no Brasil: a palavra "porque" é uma conjunção. Sempre. O que uma conjunção faz da vida? Ela liga duas orações (ou termos simples, mas não é o caso do "porque"). Então o "porque" assim, juntinho, só aparece ligando duas orações, ainda que a primeira esteja subentendida, como acontece frequentemente em respostas diretas a uma pergunta. Essa conjunção pode ter os seguintes papéis: 1) introduz uma causa para a oração anterior, sendo portanto uma conjunção subordinativa (causal); 2) introduz uma prova, uma pista, uma explicação para a afirmação que foi feita anteriormente, e não uma causa, e assim vai se classificar como conjunção coordenativa (explicativa); 3) introduz, raramente no português moderno, uma finalidade para a oração anterior, como uma conjunção subordinativa final (a fim de que, para que etc). Vamos aos exemplos, na mesma ordem:
1) Não fui à aula hoje, porque estava doente.(Para quem gosta de classificações: o "porque" introduz uma oração subordinada adverbial causal.)
2) Deve estar chovendo fortemente, porque o barulho da água nas telhas é ensurdecedor.(O conector introduz oração coordenada explicativa: note-se que a segunda oração não é de modo algum a causa da primeira, e sim uma pista, uma prova, uma explicação.)
3) O piloto se esforçou porque obtivesse o título.(A conjunção introduz oração subordinada adverbial final: note-se que o sentido é o mesmo de "a fim de que", "para que"; neste caso, normalmente o verbo da segunda oração aparece no modo subjuntivo, ao contrário do que acontece, grosso modo, quando o "porque" tem sentido causal.)
Este é o famoso "porque" junto. Já o "por que", separado, é outra coisa, totalmente diferente: trata-se da reunião da preposição "por" com a palavra "que". O "que", neste caso, pode ser: 1) pronome relativo, referindo-se a uma palavra da oração anterior; 2) pronome indefinido ou interrogativo; 3) pronome relativo sem antecedente, funcionando como uma conjunção integrante. Este último caso é o mais difícil de classificar, mas é fácil de entender. Vamos aos exemplos:
1) por + que (pronome relativo):
A ABL explicou-me o motivo por que não haverá mudança no uso da expressão.Neste caso, o "que" refere-se diretamente à palavra "motivo", e a preposição "por" é responsável pelo sentido causal que a oração tem. Outro exemplo:
Estas são as fotos das cidades por que passamos durante nossas férias.Aqui, o "que" se refere a "cidades" e a preposição "por" é regida pelo verbo "passar".
2) por + que (pronome indefinido ou interrogativo):
Por que o Acordo não trata dessa questão?Este é caso clássico de "por que" separado. É a frase interrogativa direta, é a pergunta com ponto de interrogação no final. Perceba-se que não pode se tratar da conjunção "porque", visto que não há ligação com oração anterior. Nesta frase, o "que" é um pronome substantivo, ou seja, ele substitui um substantivo. Essa mesma frase poderia ser formulada com um pronome adjetivo, ou seja, um "que" que acompanha um substantivo, como em: "Por que razão o Acordo não trata disso?"
3) por + que (pronome relativo em função de conjunção integrante):
Não entendi por que o Acordo não trata dessa questão.Trata-se da frase interrogativa indireta, ou seja, a pergunta feita numa frase aparentemente afirmativa, sem ponto de interrogação. Sintaticamente, perceba-se que a oração introduzida pela expressão "por que" funciona como objeto direto da primeira (Não entendi essa omissão. Não entendi por que houve omissão). Dessa forma, a expressão "por que" funciona como uma conjunção integrante, aquela que introduz normalmente as orações de caráter substantivo, como é o caso. Aqui, vale ressaltar a enorme diferença de sentido que poderia fazer usar o "porque" junto em lugar do "por que" separado. Comparem-se os seguintes exemplos:
a) Ninguém entendeu bem, porque o professor estava impaciente.Na frase "a", o "porque" introduz a causa da oração anterior. Ninguém entendeu a explicação, o assunto, seja lá o que for, em decorrência da impaciência do professor. É conjunção adverbial, juntinha portanto. Na frase "b", o que os alunos não entenderam é justamente por que o professor estava impaciente, ou seja, não entenderam o motivo de o professor estar tão impaciente. A expressão "por que" introduz o objeto direto do verbo entendeu. Ela não introduz a causa da oração anterior. Separada, então.
b) Ninguém entendeu bem por que o professor estava impaciente.
O "por quê", separado e com acento, é o mesmíssimo "por que" separado dos casos 2 e 3, mas ganha acento quando a frase está invertida e o "que" é seguido de ponto final, de exclamação ou de interrogação. O professor estava impaciente, e ninguém entendeu por quê. Você não vai à festa por quê? Este time só erra gol, alguém me explique por quê!
O "porquê", junto e com acento, é o mais fácil de todos. Trata-se de um substantivo, como outro qualquer, sempre antecedido de artigo. "Não entendi o porquê de o Acordo não falar disso" (o motivo de, a razão de).
Não é difícil. Mas tem que fazer um pouco de análise sintática. Desaconselho os macetes e substituições que algumas gramáticas ensinam. Podem funcionar, mas prefiro sempre entender a estrutura a decorar um macete. Porque o macete você esquece; a estrutura, não.
Vamos exercitar um pouco? Você pode responder nos comentários, e daqui a uma semana eu dou o gabarito. (Ai, que horror, estou parecendo a Dad...) Diga como aparece o "porque" nos espaços abaixo:
I - Só gostaria de saber _________ a secretária não me avisou antes sobre o problema.
II - Foi ruim revê-la, _________ as lembranças ainda doíam no coração. (Ai, que frase brega!)
III - Os direitos __________ lutam os grevistas são legítimos.
IV - Ela foi embora, assim, sem mais, e nem me explicou ________.
V - _______ o governo investe pouco em educação, os índices de analfabetismo ainda são muito altos.
Na próxima postagem (quando será, hein?) eu explico como funciona isso em Portugal.
11 de março de 2008
Objetos
Não vou dar nenhuma desculpa esfarrapada. Deixei o blogue às moscas pelos últimos vinte meses por pura preguiça mesmo de o atualizar. Mas sempre é tempo de se redimir. Tínhamos ficado de analisar uma outra importante diferença entre o português do Brasil e o de Portugal, que é o uso dos complementos verbais, ou objetos.
É assim: no Brasil, diz-se com toda a tranquilidade uma frase como "Meu carro quebrou, mas ainda não levei para a revisão". Veja-se que tanto quebrar como levar são verbos transitivos, ou seja, ocorrem com complemento verbal. No entanto, na nossa frase os verbos não estão acompanhados de complemento, e mesmo assim ninguém fica se perguntando: "Quebrou o quê? Levou o quê?" Em Portugal, se diria: "Meu carro quebrou-se, mas ainda não o levei para a revisão". (Tá bom, tá bom, eu sei que em Portugal não se fala carro, e sim auto; agora deixa eu continuar a explicação.) Quer dizer: lá é menos comum, mesmo na língua falada, o apagamento do objeto. Aqui, porém, o mais natural é uma frase dessas ocorrer sem a repetição do objeto. Seria estranha, para nós, uma frase assim: "Comprei um livro, nem o li ainda e já o emprestei." Mais frequente seria a elipse pura e simples do objeto nos dois últimos verbos. Já os portugueses estranham esse apagamento, e usam o pronome oblíquo para marcar a anáfora.
Inversamente, em Portugal é comum o apagamento do sujeito. Sobretudo quando pronominal, é regra não explicitar o termo que conjuga o verbo, isto é, o sujeito: "José Saramago é um dos mais importantes escritores de língua portuguesa. Tem diversos romances e também escreve contos." Veja-se que o sujeito dos dois últimos verbos não foi explicitado. No Brasil, sobretudo no nível da fala, seria naturalíssimo dizer Ele tem diversos romances e ele também escreve contos. Na primeira pessoa, por exemplo, um brasileiro diz eu fui, depois eu voltei, daí eu encontrei não sei quem e por aí vai; enquanto um português acharia melhor apagar todos os eus dessa frase.
Ou seja: no Brasil é natural apagar o objeto, mas não o sujeito, quando subentendidos; em Portugal, o normal é apagar o sujeito, quando subentendido, mas não o objeto. Isso não é uma regra, e varia bastante dependendo do uso, do estilo e sobretudo do grau de formalidade. Mas é uma diferença estrutural importante entre as duas línguas, e deve ser destacada quando se fala disso em sala de aula.
Essas diferenças (há outras também) servem para orientar os professores, linguistas e gramáticos brasileiros a prosseguir nos estudos que embasem o estabelecimento de uma norma-padrão brasileira, independente e diferenciada da norma-padrão portuguesa. Isso não é nenhuma forma de ingratidão à nossa língua-mãe ou blablablá. É o passo decisivo para tornar o ensino de português mais coerente com a nossa realidade, com o nosso jeito, com os nossos usos e com a nossa inteligência, que funciona de modo diferente da inteligência (aliás finíssima) dos portugueses.
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