19 de abril de 2010

Autor publicado!

Uma versão um pouco resumida deste meu texto aqui sobre os "porquês" saiu publicada no caderno Eu, concurseiro, do Correio Braziliense de hoje. O que não faz de mim, exatamente, um autor publicado, mas já é alguma coisa, né?

Tem versão online aqui. Não tem mais. Agora, só pra assinante.

31 de março de 2010

Pergunte-me como

Ok, o que não falta na internet é site pra tirar dúvida de português. Por incrível que pareça, alguns são até bons, como o Ciberdúvidas. Mesmo assim, aqui vai minha contribuição. Pergunte o que quiser.

30 de março de 2010

Crase

Eu sei, seu sei. Mais de um ano sem postar nada é quase um recorde mundial. Mas para de reclamar e aprende aí: crase é o nome que se dá à fusão da preposição "a" com um outro "a", que pode ser duas coisas: 1) artigo definido feminino; 2) pronome demonstrativo feminino. O primeiro caso todo mundo conhece. O segundo é um pouco mais difícil de... Não, não é difícil, o pessoal é que não explica direito. É assim: numa frase como "Esta frase ficou mais bonita que a anterior", o "a" destacado, que parece um artigo sozinho, é o pronome demonstrativo. As análises dos gramáticos divergem, mas eu prefiro entender que, neste caso, não se trata da omissão do substantivo "frase", ficando o artigo ali, sozinho, sem pai nem mãe; e, sim, da substituição da palavra "frase" pelo pronome "a". Então, se coincidir uma preposição e esse pronome, faz crase. Por exemplo:
1) A história do Brasil está intimamente ligada à das grandes navegações europeias.
O adjetivo "ligada" pede preposição, a história está ligada a alguma coisa. Mas preposição sozinha não faz crase, esse aliás é um erro comum de quem não sabe usar o acento grave. Vê uma preposição, e já taca uma crase. Então repito: preposição sozinha não faz crase. Mas é necessária para que ela ocorra. Então, voltemos ao exemplo: existe preposição, e ela se une com o pronome demonstrativo "a" que substitui a palavra "história". Crase.
Este caso da crase com pronome demonstrativo pode acontecer antes de quase todo tipo de palavra, diferentemente da crase com artigo, que só acontece antes de substantivo feminino. Olha só:
2) Nossa história está ligada à que nossos avós contam. (pronome)
3) Nossa história está ligada à de vocês. (preposição)
4) Nossa história está ligada à portuguesa. (adjetivo)
5) Nossa história está ligada à contada nos livros. (verbo)
6) Nossa história está ligada à sua. (pronome possessivo)
Quanto a esse último exemplo, vale destacar que a crase é obrigatória mesmo antes do pronome possessivo, caso em que muita gramática ensina que é opcional. Porque o que é opcional antes do pronome possessivo é o artigo, e não a crase. Portanto, se for crase de preposição com pronome, ela é obrigatória.

Então não existe "à" se não for um desses dois casos. Muita gente sai craseando qualquer "a" que vê na frente. É só raciocinar um pouquinho, nem dá tanto trabalho assim. Tem um truque: se a crase é a fusão da preposição com a palavra feminina "a" (seja artigo seja pronome), então como fica se a palavra for masculina? Fica "ao", sempre, tanto no caso do artigo quanto no caso do pronome.
Assim: se a palavra "história", dos nossos exemplos, for trocada por uma masculina (não precisa manter o sentido), o "à" vira "ao". Se não virar, é porque não tinha crase.
7) Nosso passado está ligado ao das grandes navegações.
8) Nosso passado está ligado ao seu. (Veja que o "ao" é obrigatório, assim como a crase seria se a palavra fosse feminina.)
Voltando agora ao primeiro caso, o da preposição com artigo definido feminino, o melhor jeito de não errar é lembrar sempre que ela só ocorre se houver artigo. As dúvidas de crase têm mais a ver com o artigo do que com a preposição. Preposição quase todo mundo sabe quando é que tem, quando é que não tem. Artigo é que gera dúvida. Por exemplo, outro dia um arquiteto (aliás meu pai) ficou em dúvida com a seguinte frase:
9) Os afastamentos obrigatórios são áreas destinadas a passagem eventual de encanamento ou fiação de interesse público blablablá.
Tem crase ou não tem? Bom, que tem preposição, isso não é dúvida. Alguma coisa é destinada a. Mas tem artigo antes de "passagem"? Aqui, especificamente, tanto faz. Depende do sentido que se quer enfatizar: se se quer dar um sentido mais genérico à palavra "passagem" (qualquer passagem, em qualquer tempo, etc), é melhor sem artigo, e portanto sem crase; se a ênfase é para uma passagem já mais ou menos prevista, esperada, pode ter artigo, e daí crase. Tanto faz, no fim das contas.
Noutros casos, o artigo é obrigatório, porque é preciso definir o substantivo:
10) A tubulação destinada à fiação antiga do prédio será substituída etc.
Trata-se de uma fiação específica, o artigo é obrigatório, a crase também.
O mesmo vale para indicação de hora ou dia:
11) O evento vai de 10h a 11h.
12) O evento vai das 10h às 11h. 
No exemplo 11, não há artigo no primeiro termo, não deve haver no segundo, por paralelismo. É só a preposição. No outro, há artigo nos dois. Crase, portanto.

O pessoal se atrapalha também com o "há". Aqui é fácil: para indicação de tempo passado, "há", sempre. Para outras indicações (distância, hora, tempo futuro), preposição "a", com ou sem crase dependendo de haver ou não artigo ou pronome demonstrativo depois, vê aí.
13) Eles saíram há pouco tempo, há dois dias, há uma semana. Eles estão aqui há três dias.
14) Vamos sair daqui a pouco, daqui a duas semanas, às três horas. Estamos a três quilômetros do centro, estamos a cinco minutos da estação.
Decora, vai. E não existe, no português, em caso nenhum, "á".
Tem um posto de gasolina aqui perto de casa com uma placa assim:
Horário de funcionamento:
Segunda à sexta: 8h as 22h.
Sábados: 9h às 23h.
Domingos e feriados: 12h ás 19h.
Quer dizer, o cara apostou que uma delas ia estar certa, ou que qualquer coisa dava no mesmo. Corrige aí nos comentários, vai.

Outra dúvida com a crase é antes dos topônimos, os nomes dos lugares. Vou à Veneza ou vou a Veneza? Tudo depende, de novo, do artigo. Preposição eu sei que tem, quem vai vai a etc. Mas e o artigo? Sugiro testar com o verbo "visitar".
15) Visitei Veneza (sem artigo). Portanto, vou a Veneza.
16) Visitei a Itália (com artigo). Vou à Itália.
Funciona sempre. É fácil. Larga de ser preguiçoso e para de errar crase, que ninguém aguenta mais. Outro dia vi um anúncio de "pizzas àpartir de 9,90". Se a pizza for no mesmo capricho com que o cara usa a crase, melhor pagar mais caro noutro lugar.

21 de janeiro de 2009

Desacordo ortográfico

A ideia (gostou, assim, sem acento? Vai acostumando, então) de unificar a grafia do português nos diversos países lusófonos é boa. Fortalece o mercado editorial, o que me faz ingenuamente esperar que o preço dos livros possa assim diminuir um pouco. Unifica o ensino de português em outros países, consolidando a importância do Brasil como o maior país lusófono. Etc. Mas um problema razoavelmente sério, que consiste na enorme diferença entre a norma-padrão portuguesa e o uso (mesmo culto) brasileiro não é resolvido pelo Acordo Ortográfico, nem poderia ser. Não é a sua intenção.

O melhor (ou pior) exemplo dessa diferença e dos problemas que ela implica para quem precisa usar adequadamente a variedade padrão da língua, no Brasil, é a colocação pronominal. Meus alunos, para ficar só num caso, torcem o nariz e duvidam de mim quando eu digo que a língua falada no Brasil prefere a próclise (isto é, o pronome átono antes do verbo, como em "me deitei"), sempre, mesmo no nível formal. Eles estranham porque leram em gramáticas e ouviram dos professores, a vida toda, que o certo é sempre sempre sempre a ênclise (como em "deitei-me"), e acreditam piamente nisso, mesmo nunca tendo usado na vida uma ênclise sequer, exceto na escola e em provas de concurso. Isso é um problema, que é difícil de resolver. Se eu pudesse, nem falava de regra de colocação pronominal em sala. Mas não posso, aí eu falo, e os alunos me olham feio se eu ensino o que a gramática diz e se eu me recuso a ensinar o que a gramática diz. Vida de professor não é fácil...

Mas não era para isso que eu ia escrever hoje. Mas tem a ver. O português do Brasil e o de Portugal são tão diferentes, que nem o Acordo Ortográfico conseguiu resolver o problema do porquê. Já expliquei aqui como funciona o porquê no Brasil. Agora vou explicar como é em Portugal e, vejam só, é bem diferente. E vai continuar diferente. Mesmo com a unificação da ortografia.
Prepare-se: em Portugal, o porque é sempre junto. Mesmo na pergunta. Entendeu? Então tá, pode ir. Não, espera! Tem um que é separado: é quando o que é pronome relativo. É um caso fácil: pronome relativo é um que que vem sempre referido a um substantivo anterior. Assim:
"Não entendi o motivo por que você foi embora."
Está vendo que o "que" se refere a "motivo"? Não? Substitua, então, na segunda oração. Fica assim: "você foi embora por esse motivo". Tem outros exemplos disso na postagem sobre o porquê no Brasil. Neste caso, o uso nos dois países é idêntico.

O resto é junto, sempre. Eles consideram o porque um advérbio interrogativo, quando usado em frases interrogativas diretas e indiretas, e uma conjunção, quando expressa causa, finalidade ou coordenação explicativa. Olha os exemplos:
1) Porque você não veio?
2) Nunca me disseram porque você não veio.
Os casos 1 e 2 são exemplos de advérbio interrogativo. São diferentes do uso no Brasil. Para o uso do porque como conjunção, fica o mesmo que nós usamos. Tem ainda um caso especial em Portugal: se o porque vier no fim da pergunta, ou se a frase não tiver verbo conjugado, escreve-se porquê, com acento. Assim:
3) Você ainda não chegou porquê?
4) Porquê esperar tanto?
5) Porquê tanta dor no mundo?
Parece mais fácil que no Brasil, certo? Mas olha que coisa: consultados alguns sites de dúvidas de português, percebi que os professores em Portugal parecem ter tanta dificuldade quanto nós, brasileiros, em ensinar o uso dos porquês para seus alunos. Quer dizer, comprova-se o que eu já tenho como convicção há um tempo: simplificar a língua não facilita o aprendizado. O que se exige do professor é que ele domine bem o que está ensinando; e do aluno, que estude o que vê em sala, senão não adianta nada.

Lá na postagem sobre o porquê brasileiro eu deixei uns exercícios para os visitantes do blogue responderem, mas ninguém se atreveu, ao menos não publicamente. Dou, então, as respostas, primeiro conforme a regra brasileira, depois conforme a regra portuguesa. Mas fica a questão: se no uso dos porquês a regra pode ser diferente, e continuará sendo mesmo com a unificação ortográfica, por que (separado) não estender a lógica para outros casos, como a colocação pronominal ou algumas regras de regência verbal? Eu quero começar frases com pronome oblíquo átono! Próclise livre já!

Vamos às respostas dos exercícios:

I - Só gostaria de saber _________ a secretária não me avisou antes sobre o problema. (por que, no Brasil; porque, em Portugal)

II - Foi ruim revê-la, _________ as lembranças ainda doíam no coração. (porque, em ambos)

III - Os direitos __________ lutam os grevistas são legítimos. (por que, sempre)

IV - Ela foi embora, assim, sem mais, e nem me explicou ________. (por quê e porquê)

V - _______ o governo investe pouco em educação, os índices de analfabetismo ainda são muito altos. (porque, nos dois)

Alguma dúvida? Deixa aí nos comentários.

Até!

19 de novembro de 2008

Atualização ortográfica

Conforme explicado aqui, começo a atualizar também este blogue às novas regras ortográficas estabelecidas pelo Acordo de 1990, que entra em vigor ano que vem.
Já fiz toda a atualização do Palavras à pena, e me surpreendeu constatar que são raríssimas as palavras que mudam. Sério. Ou eu devo estar usando sempre as outras. Nesta postagem aqui, por exemplo, ainda não apareceu nenhuma palavra que precise de alteração. E ainda não arrumei tempo para falar do porquê português.
Quem sabe até o fim do mês?

11 de novembro de 2008

Por quê?

Em ritmo de reforma ortográfica, andei pesquisando nestes dias sobre a diferença entre o uso dos "porquês", no Brasil e em Portugal, e fiquei surpreso ao saber que o Acordo Ortográfico que passará a viger em 2009 nem trisca no assunto. Curioso, consultei nossa digníssima Academia Brasileira de Letras e a resposta confirmou: vamos continuar usando os "porquês" diferentemente dos portugueses. Apesar de eu não ter entendido por que não houve acordo quanto a esse item, vale então explicar aos nossos pacientes leitores, que esperam meses por uma mísera postagem deste relapso autor, quando afinal se usa "porque" ou "por que", aqui e em Portugal.
Para começar, no Brasil: a palavra "porque" é uma conjunção. Sempre. O que uma conjunção faz da vida? Ela liga duas orações (ou termos simples, mas não é o caso do "porque"). Então o "porque" assim, juntinho, só aparece ligando duas orações, ainda que a primeira esteja subentendida, como acontece frequentemente em respostas diretas a uma pergunta. Essa conjunção pode ter os seguintes papéis: 1) introduz uma causa para a oração anterior, sendo portanto uma conjunção subordinativa (causal); 2) introduz uma prova, uma pista, uma explicação para a afirmação que foi feita anteriormente, e não uma causa, e assim vai se classificar como conjunção coordenativa (explicativa); 3) introduz, raramente no português moderno, uma finalidade para a oração anterior, como uma conjunção subordinativa final (a fim de que, para que etc). Vamos aos exemplos, na mesma ordem:
1) Não fui à aula hoje, porque estava doente.
(Para quem gosta de classificações: o "porque" introduz uma oração subordinada adverbial causal.)
2) Deve estar chovendo fortemente, porque o barulho da água nas telhas é ensurdecedor.
(O conector introduz oração coordenada explicativa: note-se que a segunda oração não é de modo algum a causa da primeira, e sim uma pista, uma prova, uma explicação.)
3) O piloto se esforçou porque obtivesse o título.
(A conjunção introduz oração subordinada adverbial final: note-se que o sentido é o mesmo de "a fim de que", "para que"; neste caso, normalmente o verbo da segunda oração aparece no modo subjuntivo, ao contrário do que acontece, grosso modo, quando o "porque" tem sentido causal.)

Este é o famoso "porque" junto. Já o "por que", separado, é outra coisa, totalmente diferente: trata-se da reunião da preposição "por" com a palavra "que". O "que", neste caso, pode ser: 1) pronome relativo, referindo-se a uma palavra da oração anterior; 2) pronome indefinido ou interrogativo; 3) pronome relativo sem antecedente, funcionando como uma conjunção integrante. Este último caso é o mais difícil de classificar, mas é fácil de entender. Vamos aos exemplos:

1) por + que (pronome relativo):
A ABL explicou-me o motivo por que não haverá mudança no uso da expressão.
Neste caso, o "que" refere-se diretamente à palavra "motivo", e a preposição "por" é responsável pelo sentido causal que a oração tem. Outro exemplo:
Estas são as fotos das cidades por que passamos durante nossas férias.
Aqui, o "que" se refere a "cidades" e a preposição "por" é regida pelo verbo "passar".

2) por + que (pronome indefinido ou interrogativo):
Por que o Acordo não trata dessa questão?
Este é caso clássico de "por que" separado. É a frase interrogativa direta, é a pergunta com ponto de interrogação no final. Perceba-se que não pode se tratar da conjunção "porque", visto que não há ligação com oração anterior. Nesta frase, o "que" é um pronome substantivo, ou seja, ele substitui um substantivo. Essa mesma frase poderia ser formulada com um pronome adjetivo, ou seja, um "que" que acompanha um substantivo, como em: "Por que razão o Acordo não trata disso?"

3) por + que (pronome relativo em função de conjunção integrante):
Não entendi por que o Acordo não trata dessa questão.
Trata-se da frase interrogativa indireta, ou seja, a pergunta feita numa frase aparentemente afirmativa, sem ponto de interrogação. Sintaticamente, perceba-se que a oração introduzida pela expressão "por que" funciona como objeto direto da primeira (Não entendi essa omissão. Não entendi por que houve omissão). Dessa forma, a expressão "por que" funciona como uma conjunção integrante, aquela que introduz normalmente as orações de caráter substantivo, como é o caso. Aqui, vale ressaltar a enorme diferença de sentido que poderia fazer usar o "porque" junto em lugar do "por que" separado. Comparem-se os seguintes exemplos:
a) Ninguém entendeu bem, porque o professor estava impaciente.
b) Ninguém entendeu bem por que o professor estava impaciente.
Na frase "a", o "porque" introduz a causa da oração anterior. Ninguém entendeu a explicação, o assunto, seja lá o que for, em decorrência da impaciência do professor. É conjunção adverbial, juntinha portanto. Na frase "b", o que os alunos não entenderam é justamente por que o professor estava impaciente, ou seja, não entenderam o motivo de o professor estar tão impaciente. A expressão "por que" introduz o objeto direto do verbo entendeu. Ela não introduz a causa da oração anterior. Separada, então.

O "por quê", separado e com acento, é o mesmíssimo "por que" separado dos casos 2 e 3, mas ganha acento quando a frase está invertida e o "que" é seguido de ponto final, de exclamação ou de interrogação. O professor estava impaciente, e ninguém entendeu por quê. Você não vai à festa por quê? Este time só erra gol, alguém me explique por quê!

O "porquê", junto e com acento, é o mais fácil de todos. Trata-se de um substantivo, como outro qualquer, sempre antecedido de artigo. "Não entendi o porquê de o Acordo não falar disso" (o motivo de, a razão de).

Não é difícil. Mas tem que fazer um pouco de análise sintática. Desaconselho os macetes e substituições que algumas gramáticas ensinam. Podem funcionar, mas prefiro sempre entender a estrutura a decorar um macete. Porque o macete você esquece; a estrutura, não.

Vamos exercitar um pouco? Você pode responder nos comentários, e daqui a uma semana eu dou o gabarito. (Ai, que horror, estou parecendo a Dad...) Diga como aparece o "porque" nos espaços abaixo:

I - Só gostaria de saber _________ a secretária não me avisou antes sobre o problema.

II - Foi ruim revê-la, _________ as lembranças ainda doíam no coração. (Ai, que frase brega!)

III - Os direitos __________ lutam os grevistas são legítimos.

IV - Ela foi embora, assim, sem mais, e nem me explicou ________.

V - _______ o governo investe pouco em educação, os índices de analfabetismo ainda são muito altos.

Na próxima postagem (quando será, hein?) eu explico como funciona isso em Portugal.

11 de março de 2008

Objetos

Não vou dar nenhuma desculpa esfarrapada. Deixei o blogue às moscas pelos últimos vinte meses por pura preguiça mesmo de o atualizar. Mas sempre é tempo de se redimir. Tínhamos ficado de analisar uma outra importante diferença entre o português do Brasil e o de Portugal, que é o uso dos complementos verbais, ou objetos.
É assim: no Brasil, diz-se com toda a tranquilidade uma frase como "Meu carro quebrou, mas ainda não levei para a revisão". Veja-se que tanto quebrar como levar são verbos transitivos, ou seja, ocorrem com complemento verbal. No entanto, na nossa frase os verbos não estão acompanhados de complemento, e mesmo assim ninguém fica se perguntando: "Quebrou o quê? Levou o quê?" Em Portugal, se diria: "Meu carro quebrou-se, mas ainda não o levei para a revisão". (Tá bom, tá bom, eu sei que em Portugal não se fala carro, e sim auto; agora deixa eu continuar a explicação.) Quer dizer: lá é menos comum, mesmo na língua falada, o apagamento do objeto. Aqui, porém, o mais natural é uma frase dessas ocorrer sem a repetição do objeto. Seria estranha, para nós, uma frase assim: "Comprei um livro, nem o li ainda e já o emprestei." Mais frequente seria a elipse pura e simples do objeto nos dois últimos verbos. Já os portugueses estranham esse apagamento, e usam o pronome oblíquo para marcar a anáfora.
Inversamente, em Portugal é comum o apagamento do sujeito. Sobretudo quando pronominal, é regra não explicitar o termo que conjuga o verbo, isto é, o sujeito: "José Saramago é um dos mais importantes escritores de língua portuguesa. Tem diversos romances e também escreve contos." Veja-se que o sujeito dos dois últimos verbos não foi explicitado. No Brasil, sobretudo no nível da fala, seria naturalíssimo dizer Ele tem diversos romances e ele também escreve contos. Na primeira pessoa, por exemplo, um brasileiro diz eu fui, depois eu voltei, daí eu encontrei não sei quem e por aí vai; enquanto um português acharia melhor apagar todos os eus dessa frase.
Ou seja: no Brasil é natural apagar o objeto, mas não o sujeito, quando subentendidos; em Portugal, o normal é apagar o sujeito, quando subentendido, mas não o objeto. Isso não é uma regra, e varia bastante dependendo do uso, do estilo e sobretudo do grau de formalidade. Mas é uma diferença estrutural importante entre as duas línguas, e deve ser destacada quando se fala disso em sala de aula.
Essas diferenças (há outras também) servem para orientar os professores, linguistas e gramáticos brasileiros a prosseguir nos estudos que embasem o estabelecimento de uma norma-padrão brasileira, independente e diferenciada da norma-padrão portuguesa. Isso não é nenhuma forma de ingratidão à nossa língua-mãe ou blablablá. É o passo decisivo para tornar o ensino de português mais coerente com a nossa realidade, com o nosso jeito, com os nossos usos e com a nossa inteligência, que funciona de modo diferente da inteligência (aliás finíssima) dos portugueses.